Evento acontece todo ano no fim das férias de verão nos Estados Unidos e reúne banqueiros centrais do mundo inteiro. Neste ano, há expectativa de que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, traga novas pistas sobre os cortes nas taxas de juros americanas. Presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em entrevista coletiva após decisão sobre juros, em Washington, nos EUA. (1/5/24)
Reuters/Kevin Lamarque
Para quem acompanha as notícias do mercado financeiro, um dos grandes temas desta semana foi o Simpósio de Jackson Hole, uma conferência que acontece todo ano nos Estados Unidos, e é tratada por investidores da Faria Lima (o coração financeiro de São Paulo) e do mundo como o evento mais importante de economia no planeta.
Em 2024, o evento começou nesta quinta-feira (22) e vai até sábado (24). Mas é nesta sexta-feira (23) que acontece o discurso mais esperado da edição, do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell.
Economistas, analistas e investidores do mundo todo querem saber o futuro dos juros dos EUA. Uma queda das taxas reduz os rendimentos dos títulos do Tesouro americano (as Treasuries) e força os investidores a tomarem mais risco para terem rentabilidades melhores. Isso beneficia o mercado de ações e pode desvalorizar o dólar perante outras moedas, como o real.
Na quarta-feira (21), o Fed divulgou a ata de sua última reunião de juros — realizada no fim de julho e que os manteve inalterados entre 5,25% e 5,50% ao ano — e mostrou que seus dirigentes estão bastante inclinados a iniciar o ciclo de cortes nas taxas em setembro.
A dúvida de todo o mercado financeiro, agora, é qual será o tamanho desses cortes. Para a próxima reunião, o mercado se divide entre uma baixa de 0,25 ponto percentual (p.p.) ou de 0,50 p.p.
Por isso, a expectativa com o discurso de Powell é grande: investidores buscam nas falas do presidente qualquer nova pista sobre o que o Fed vai decidir e quais efeitos a decisão terá.
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O que é o Simpósio de Jackson Hole?
O Simpósio de Política Econômica do Federal Reserve acontece na região de Jackson Hole, em Wyoming. É uma conferência promovida pela unidade regional de Kansas City do Fed ao final das férias de verão. Pela localização, ele é chamado apenas de Simpósio de Jackson Hole.
Mas nem sempre o evento foi realizado ali. O simpósio nasceu em 1978 e suas primeiras edições aconteceram em Kansas City. Depois, se mudou para Jackson Hole e, ano após ano, foi ganhando mais relevância por conseguir concentrar em um único evento nomes tão importantes da economia global.
“Esse simpósio sempre concentra as atenções do mercado porque é realizado pelo BC mais relevante do mundo”, comenta Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.
Participam do simpósio os dirigentes do Fed, os banqueiros centrais dos maiores países do mundo. Dirigentes do Japão e do Banco Central Europeu, além de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil (BC), devem estar lá.
Também costumam marcar presença autoridades políticas, economistas e acadêmicos da área, que chegam do mundo inteiro.
Além da tradição do evento, o Simpósio de Jackson Hole também se tornou o palco de antecipações de novidades ou tendências pelos banqueiros centrais do mundo.
Em algumas edições, presidentes de BCs esperaram pela conferência para anunciar novas medidas para a economia de seus países, ou ao menos sinalizar quais serão seus próximos passos na condução da política monetária (que determina a taxa de juros). Esse movimento começou em 1989, com o então presidente do Fed Alan Greenspan.
Outro marco foi em 2007, quando o Fed escolheu o tema ” Habitação, Financiamento Habitacional e Política Monetária” para ser o centro das discussões do simpósio, antecipando a grave crise imobiliária de 2008, que gerou uma crise financeira que quebrou bancos gigantes e contribuiu para uma recessão no mundo inteiro.
Segundo o Fed de Kansas City, o tema “foi visto por alguns convidados como chato na época de seu anúncio. No entanto, quando o evento começou em agosto, o mercado imobiliário havia entrado em colapso, tornando este tópico relevante e oportuno.”
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Por que a edição de 2024 é importante?
Nem sempre os banqueiros centrais usam o Simpósio de Jackson Hole para anunciar novidades, mas há muita expectativa por esta edição do evento por conta do momento que a maior economia do mundo vive.
Carla Argenta, da CM Capital, pontua que a conferência acontece justamente em um período em que o conjunto de indicadores macroeconômicos revela uma “alteração importante na conjuntura econômica dos Estados Unidos, com o mercado de trabalho mais equilibrado e a condição inflacionária mais benéfica”.
“Essa ‘nova condição’ faz com que o mercado fique ainda mais atento aos discursos dos membros do FOMC (o comitê de política monetária dos Estados Unidos), em busca de sinalizações sobre os próximos passos da política monetária”, diz a economista.
A inflação americana acumulou uma alta de 3,2% em 12 meses até julho, contra a meta de 2% do Fed. Apesar de ainda estar acima da meta, esse é o menor patamar para a inflação americana em mais de três anos, o que contribui para a expectativa de queda nos juros — já que a principal função da política monetária é controlar o avanço dos preços calibrando as taxas.
Com juros maiores, a tomada de crédito fica mais cara para a população e as empresas, o que diminui o consumo no país e os investimentos das companhias, o que tende a desaquecer o mercado de trabalho e a economia.
E foi isso o que aconteceu. O mercado de trabalho nos Estados Unidos desacelerou. Segundo o Departamento do Trabalho, o país criou 818 mil vagas de emprego a menos entre abril de 2023 e março de 2024 do que as projeções anteriores, o que corresponde a cerca de 68 mil vagas mensais.
Agora, o mercado quer ver os juros caindo. Basta saber quantos cortes serão feitos e em quais magnitudes. Por isso, os investidores devem prestar atenção a tudo que Jerome Powell falar nesta sexta.
“A expectativa está alta para este ano porque o presidente do banco central americano pode sinalizar algo que não acontece há quatro anos e meio, que é um corte de juros na economia americana”, diz Jefferson Laatus, estrategista-chefe do grupo Laatus.
Juros menores são bons para os ativos de risco, como o mercado de ações. Isso porque, quando as taxas caem, a rentabilidade oferecida pelos títulos do Tesouro americano (as Treasuries), considerados os mais seguros do mundo, também recuam. E esse movimento faz com que mais gente invista em outros produtos, em busca de mais dinheiro.
Além disso, a queda nas taxas também é positiva para a economia, em um momento de desaquecimento do emprego e da atividade, em que especialistas temem por uma recessão.
O que eu tenho a ver com isso?
Taxas de juros menores nos Estados Unidos não apenas contribuem para o mercado de ações e a economia norte-americana, mas também para os ativos no mundo todo, inclusive no Brasil.
O Ibovespa, principal índice de valores da bolsa de valores brasileira, a B3, já começou a sentir esse movimento positivo e, nesta semana, marcou seus recordes históricos e chegou a encostar nos 137 mil pontos, com investidores buscando os produtos financeiros com melhores oportunidades de rentabilidade.
Além da vinda para a bolsa, a renda fixa brasileira também fica atraente, com a Selic, taxa básica de juros, ainda em 10,5% ao ano.
O BC interrompeu o ciclo de cortes na taxa em junho, em meio a uma nova aceleração da inflação no país e as crescentes dúvidas sobre a capacidade do governo federal de arcar com suas despesas. Mas não para por aí: os dirigentes da autarquia já afirmaram que todas as possibilidades estão na mesa e, nos próximos meses, uma nova alta na Selic não é descartada.
“Boa parte do mercado já está acreditando em uma alta da Selic nos próximos meses. Então pode ser que a gente tenha uma taxa mais alta aqui, enquanto nos Estados Unidos a gente vai ter uma taxa mais baixa. Esse diferencial de juros deixa nosso câmbio atraente”, explica Luan Aral, especialista em câmbio da Genial Investimentos.
Assim, a queda nas taxas americanas ao mesmo tempo em que os juros no Brasil continuam elevados — e com chances de alta — e a busca pelo mercado de ações nacional podem trazer maior fluxo de dinheiro para o país, beneficiando o real ante o dólar.
Vale destacar, porém, que cortes nos juros lá fora também podem diminuir a necessidade de alta nas taxas aqui, já que boa parte da inflação brasileira é influenciada pelo dólar e a expectativa é de uma valorização da moeda brasileira quando o Fed afrouxar seu ciclo monetário.
De todo modo, o mercado também deve ficar de olho na participação de Roberto Campos Neto no simpósio, em busca de alguma declaração que traga pistas sobre a condução dos juros no Brasil. Principalmente depois de Gabriel Galípolo, diretor de política monetária do BC e cotado como o principal nome para substituir Campos Neto na presidência da instituição, sinalizar que novas altas na Selic podem ocorrer.
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