Grupo criado por Gilmar Mendes terá última reunião na próxima quinta, mas ainda diverge sobre mudanças que geraram conflito bilionário. Especialistas veem inconstitucionalidade nas leis. Após três meses de intensa negociação, a comissão criada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Gilmar Mendes para pacificar a aplicação de novas regras do ICMS ainda não conseguiu costurar uma solução para o impasse.
A negociação foi aberta depois que o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro sancionou duas leis que alteram as alíquotas de ICMS que incidem sobre os combustíveis. O ICMS é um imposto estadual e, por isso, os governadores afirmam que as leis são inconstitucionais e que os estados precisam ser compensados por eventuais perdas de arrecadação.
A última reunião do grupo – formado por membros da União, do Congresso e dos governos estaduais e por especialistas independentes – está marcada para a próxima quinta-feira (3), após o feriado. Há expectativa, no entanto, de que o prazo tenha que ser estendido. A proposta foi feita pela União no encontro desta semana e não deve encontrar resistência dos estados.
“Esse prazo deveria ser estendido, já que ainda estamos longe de chegar a uma solução”, diz o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto. Para ele, governo federal e Congresso geraram “uma enorme confusão no sistema tributário” que, agora, precisa ser corrigida.
Nas últimas semanas, a comissão ouviu economistas, tributaristas e especialistas em contas públicas, que participam da comissão como membros independentes. Os técnicos ouvidos foram unânimes em dizer que as mudanças no ICMS aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro são inconstitucionais, já que violam a autonomia dos estados.
“Houve invasão de competência para tratar de alíquotas, o que torna essas normas francamente inconstitucionais”, afirmou o consultor tributário Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, durante reunião realizada no último dia 11.
Na mesma seção, a professora Misabel Derzi destacou que a redução de arrecadação poderá gerar “uma crise fiscal tão grave que os estados se colocam em estado de necessidade, sem meios de arcar com todas as suas obrigações”.
As avaliações vão na contramão dos argumentos da União e do Congresso.
O deputado Danilo Forte (União-CE), que representa os parlamentares na comissão, acredita que o teto do imposto estadual sobre itens essenciais é constitucional – e defende a retomada da nova Lei dos Royalties para garantir uma compensação permanente aos governadores.
“O julgamento da liminar que suspendeu a nova Lei dos Royalties está parado no Supremo há oito anos. É uma solução rápida e simples para dar segurança a todos”, disse o parlamentar, por meio de nota, acrescentando que a arrecadação com royalties pode atingir R$ 66 bilhões em 2022.
Entenda no vídeo abaixo, de 2020, o impasse em torno do julgamento da Lei dos Royalties:
RJ busca adiar julgamento dos royalties no Supremo
Falando em nome da União, o secretário especial adjunto do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Julio Alexandre Menezes da Silva, afirmou em agosto que a economia brasileira passa por “momentos especiais”, referindo-se ao pós-pandemia e à guerra da Ucrânia.
O secretário expressou ainda um entendimento do governo de que existe caixa suficiente nos governos estaduais para ajudar nesse momento excepcional.
Coordenador da comissão especial e juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes, Diego Veras afirma que o objetivo do grupo ainda é o de alcançar uma solução consensual. “É uma dinâmica voltada ao acordo, para que o Supremo não precise decidir se é ou não constitucional”, diz.
Veja mais detalhes sobre a comissão e a disputa sobre o ICMS no vídeo abaixo, de agosto:
Impasse na cobrança do ICMS: STF vai intermediar negociação entre os estados e a União
Quais leis são questionadas no STF?
A comissão de negociação criada no STF busca pacificar a aplicação e a validade de duas leis já aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro.
A primeira, sancionada em março, exige que os estados adotem uma alíquota única em todo o país sobre os combustíveis e que o valor seja absoluto (cobrado em reais por litro), e não um percentual sobre o valor final do litro nas bombas.
A segunda, sancionada em junho, inclui na lista de “itens essenciais” para a incidência do ICMS produtos como combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público. Ao fazer isso, a norma cria um teto de 17% a 18% para a cobrança do ICMS sobre esses itens.
Propostas em debate
Além da discussão sobre a redistribuição de royalties, há duas outras propostas sendo debatidas na comissão do STF:
uma sugestão, apresentada pelo juiz e coordenador Diego Veras, que prevê fórmulas diferentes de incidência do ICMS a depender da cotação do barril de petróleo no mercado internacional – para impedir que uma crise externa faça explodir o preço doméstico;
a criação de um fundo de estabilização, abastecido com dividendos da Petrobras, que possa ser acionado em momentos críticos para amenizar o impacto de uma alta dos combustíveis sobre o preço das bombas.
A proposta de criar um fundo de estabilização foi apresentada na mesa de negociação pelo secretário de São Paulo, Felipe Salto, mas também já tramita no Congresso em um projeto de lei do senador Jean Paul Prates (PT-RN).
A ideia é que, em momentos de crise, o fundo seja usado para elevar a transferência de renda às famílias mais pobres, mitigando o peso do combustível alto no preço da cesta básica e de outros itens essenciais. O projeto de lei já foi aprovado pelo Senado, mas ainda tramita na Câmara.
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Batalha bilionária
A mudança de regras no ICMS acabou se tornando uma batalha judicial com possível impacto bilionário, seja qual for o desfecho. Atualmente, tanto os governos estaduais quanto a União apontam risco de prejuízo a depender da solução final.
De um lado, os estados calculam que perderam R$ 12,7 bilhões em arrecadação nos segmentos de energia, combustíveis e comunicação nos meses de agosto e setembro. São os setores cujas alíquotas de ICMS foram limitadas a 17% pela lei sancionada em junho.
Oito desses estados, no entanto, já conseguiram no STF decisões liminares (provisórias) para receber compensações imediata por parte da União: Alagoas, Maranhão, Piauí, São Paulo, Acre, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Segundo o Tesouro Nacional, isso vai significar uma perda de receitas, para o governo federal, de R$ 6,9 bilhões até o fim de 2022. O impacto pode ser ainda maior caso a mesa de negociação – ou uma decisão judicial mais ampla – decida que todos os governos estaduais têm direito a compensação semelhante.
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