Medida não consta nos planos de governo registrados no TSE, mas ambos os candidatos já deram declarações favoráveis à taxação. Projeto aprovado pela Câmara em 2021 está parado no Senado. Em meio à acirrada disputa do segundo turno das eleições presidenciais, com trocas de acusações e foco nas divergências, uma ideia pode ser vista como um ponto de conexão entre os dois candidatos à Presidência da República: a taxação de lucros e dividendos por meio do Imposto de Renda.
Os dividendos são a parcela do lucro das empresas distribuída aos acionistas. Essa distribuição, desde 1995, é livre de taxação no Brasil. Os lucros já são taxados, mas o patamar dessa cobrança é alvo de debates acalorados no país.
Nos planos de governo de Jair Bolsonaro (PL) e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há referência a essa forma de tributação. Mas os dois já deram declarações públicas de que são favoráveis à proposta.
“A gente tem que desonerar o salário para poder onerar as pessoas mais ricas desse país. Lucros e dividendos têm que pagar Imposto de Renda. Não é possível que a gente não consiga fazer uma política tributária que garanta o Estado arrecadar o suficiente para cuidar do seu povo”, disse Lula durante ato de campanha em campanha.
O g1 perguntou à campanha de Lula se o candidato concorda com a proposta que já tramita no Senado para alterar o Imposto de Renda e aumentar a taxação dos mais ricos (veja abaixo), mas não recebeu resposta.
A proposta foi enviada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro. Em setembro, o candidato à reeleição afirmou que a taxação de lucros e dividendos é uma saída para bancar a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
Até o momento, o valor ainda não está assegurado. No projeto de orçamento do ano que vem, o governo propôs um auxílio médio de R$ 405.
Na semana passada, nos Estados Unidos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a falar sobre o assunto. “Acabou a eleição, a gente aprova uma PEC [proposta de Emenda à Constituição] tributando lucros e dividendos, dá R$ 69 bilhões, quase R$ 70 bilhões [por ano]. Esses R$ 200 reais adicionais [no Auxílio Brasil em 2023] custam R$ 52 bilhões, já tem recursos para isso”, declarou.
Nesta quarta-feira (19), Guedes afirmou que a taxação de lucros e dividendos é “incontornável” e deve acontecer antes do fim deste ano.
Veja no vídeo abaixo mais detalhes sobre o texto que tramita no Congresso:
Câmara aprova imposto de 15% sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas
O que é?
A taxação por meio do Imposto de Renda em discussão atualmente aconteceria quando a empresa distribuísse os lucros e dividendos para as pessoas físicas, ou seja, para seus sócios, acionistas, controladores e investidores.
O Brasil é um dos poucos países, atualmente, que não taxam a distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas – a taxação chegou a vigorar, mas foi extinta em 2015. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que outras quatro nações também não tributam esses rendimentos: Estônia, Letônia, Eslováquia e Romênia.
Empresários, porém, reclamam que essa taxação aumentaria a carga tributária das firmas.
A tributação das empresas no Brasil já é alta, em comparação com nações desenvolvidas. As firmas pagam uma alíquota de 15% e um adicional de 10% para lucros acima de R$ 20 mil por mês – regra que afeta empresas de maior porte. Junto com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a tributação sobre as maiores empresas é de cerca de 34% no Brasil.
O texto em tramitação
A reforma do Imposto de Renda enviada pelo governo ao Congresso previa, inicialmente, uma alíquota de 20% sobre lucros e dividendos. Durante as negociações, o percentual caiu para 15%. Empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, entretanto, continuariam isentas.
Ao mesmo tempo em que instituía essa cobrança, a proposta de reforma tributária, entretanto, trazia uma redução do Imposto de Renda das empresas.
A alíquota do IR das empresas cairia dos atuais 15% para 8% e haveria, também, um corte de 1 ponto percentual na CSLL. O texto também corrige e tabela do IR das pessoas físicas, elevando a faixa de isenção para até R$ 2,5 mil (contra os R$ 1,9 mil atuais).
Imposto de Renda faz 100 anos em 2022 à espera da aprovação de reforma pelo Congresso
Mudança positiva, mas com ressalvas
A reforma tributária é considerada por cientistas políticos e especialistas um dos temas mais espinhosos a tramitar no Congresso Nacional. Há décadas, sucessivos governos tentam remodelar o sistema de impostos do país, sem sucesso.
A taxação de lucros e dividendos, assim como as mudanças no formato do Imposto de Renda, também é alvo de discordância entre setores. Especialistas e associações ouvidas pelo g1 veem a medida como positiva, mas destacam a necessidade de adequações e contrapartidas.
A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que representa 88% do total do valor de mercado das companhias listadas na B3, defende uma tributação de dividendos integrada à tributação do Imposto de Renda das empresas e da CSLL de forma a não aumentar a carga (total das empresas) e, ao mesmo tempo, adotar-se no país um “modelo mais justo e eficiente”.
Pesquisador do Ipea, o economista Sergio Gobetti diz que, em sua visão, o retorno da tributação sobre dividendos – acompanhado de alguma redução do IRPJ – é incontornável. “Não há como o Brasil se manter diferente do mundo, até mesmo por questões de competição internacional”, disse.
Gobetti, no entanto, chama de “monstruosa” a isenção para empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões prevista no projeto que tramita no Congresso. O economista avalia que o patamar é equivocado e geraria um movimento de divisão artificial das empresas maiores (em várias empresas menores) para gozarem do benefício da isenção.
Carga tributária de empresas pode cair de 34% para 24%; Ana Flor analisa
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, avalia que é preciso reduzir a tributação sobre o lucro nas empresas – ou seja, a redução da alíquota conjunta de IRPJ/CSLL, que hoje está em 34%.
Em contrapartida, a CNI diz aceitar que seja instituída uma tributação sobre lucros e dividendos para sócios e acionistas. Segundo o gerente-executivo de Economia, Mário Sérgio Telles, as duas mudanças devem ser “neutras do ponto de vista da carga tributária total”.
Economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy avalia que o modelo proposto tem mais benefícios que o sistema atual – mas deve ser acompanhado da redução do IR das empresas para que não haja perda de competitividade frente às empresas estrangeiras.
“Pode ser feita de forma progressiva, tributando mais o grande acionista como fazem vários países do mundo”, disse. Sobre o projeto atual que está no Senado, ele considera a isenção para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano como “erro enorme”, que torna o novo modelo pior que as regras atuais.
O presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, discorda das opiniões acima e afirma que a proposta de tributar lucros e dividendos preocupa muito porque aumenta a carga tributária sobre o setor, diminuindo a possibilidade de emprego e desenvolvimento econômico.
Nese defende que a reforma tributária seja discutida como um todo, e não apenas a parte do Imposto de Renda. Ou seja, considera que seria importante discutir também os tributos sobre consumo e a redução dos impostos sobre a folha de pagamento – que poderia ser compensada com a retomada de um imposto sobre movimentações financeiras.
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