Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que o movimento do candidato republicano acompanha uma mudança no perfil do eleitorado: o grupo de norte-americanos que possuem criptomoedas é cada vez maior — e mais relevante. Donald Trump participa da conferência Bitcoin 2024, em Nashville.
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Ex-presidente dos Estados Unidos e atual candidato republicano na corrida à Casa Branca, Donald Trump mudou drasticamente seus discursos sobre a indústria de criptomoedas.
Antes considerados por Trump uma “farsa”, os criptoativos não só passaram a integrar o portfólio financeiro do bilionário, como também se tornaram um importante ativo eleitoral para a campanha dele.
A poucos meses de os norte-americanos irem às urnas, o candidato fez questão de incluir em sua agenda eleitoral eventos com agentes do mercado cripto. Nos encontros, prevaleceu o tom favorável aos ativos digitais.
“Vocês serão muito felizes comigo” , disse Trump durante a conferência Bitcoin 2024, no fim de julho, em Nashville, no Tennessee. “Se a criptografia vai definir o futuro, quero que seja extraída, cunhada e fabricada nos EUA”, continuou.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que a nova postura de Trump não acontece à toa. Ela acompanha uma mudança no perfil do eleitorado: o grupo de norte-americanos que possuem bitcoin ou alguma outra criptomoeda é cada vez maior — e mais relevante. (leia mais abaixo)
Nesta reportagem, você vai entender o cenário a partir dos seguintes tópicos:
A mudança de discurso de Trump
Os ganhos financeiros e a captação de doações
Os impactos eleitorais
Os republicanos dominaram a pauta cripto?
Antes, conheça o mercado cripto em três breves pontos:
Criptomoedas, como o bitcoin, são moedas digitais criadas a partir de protocolos que possibilitam transações. São uma espécie de dinheiro descentralizado, operado sem intermediários (bancos). Elas estão inseridas em uma tecnologia chamada blockchain.
Criptoativos são ativos digitais baseados em blockchain. Estão inseridos no meio digital e possuem uma série de códigos responsáveis pela proteção desses ativos. As criptomoedas são criptoativos, assim como os NFTs, espécies de “coleções digitais”.
Blockchain é a tecnologia que abriga as transações dos criptoativos. Especialistas traduzem esse espaço como um grande livro contábil. É uma cadeia de blocos de informações interligados, com dados de quem enviou, quem recebeu e quanto recebeu, por exemplo.
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A mudança de discurso de Trump
Quando ainda era presidente dos Estados Unidos, Trump já disparava contra as criptomoedas. O desagrado do republicano com ativos digitais foi evidenciado em 2019, em uma publicação na rede social X (o antigo Twitter).
“Eu não sou fã do bitcoin e de outras criptomoedas, que não são dinheiro e cujo valor é altamente volátil e baseado no ar. Ativos criptográficos não regulamentados podem facilitar comportamento ilegal, incluindo comércio de drogas e outras atividades ilegais”, escreveu.
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O governo de Trump se encerrou em janeiro de 2021 — e ele não se reelegeu. Poucos meses após deixar o cargo, o ex-presidente voltou a atacar os ativos digitais. Em entrevista à “Fox Business”, por exemplo, afirmou que o bitcoin parecia “uma farsa”.
Mas não demorou para o republicano começar a operar no mercado cripto.
Em dezembro de 2022, Trump anunciou a venda de NFTs (sigla para Tokens Não-Fungíveis, uma tecnologia que permite que uma pessoa ou empresa registre qualquer tipo de arquivo digital) com a própria imagem dele caracterizada como super-homem, ator de Hollywood e outros personagens. Os criptoativos colecionáveis, com preço de US$ 99 cada, logo acabaram.
Pouco tempo depois, então, o ex-presidente lançou uma nova coleção. A “série 2” dos NFTs foi anunciada em abril de 2023, incluindo frases como “nunca se renda”. À época, Trump já buscava arrecadar recursos e mobilizar sua base de olho nas eleições de 2024.
NFTs (Tokens Não-Fungíveis, espécies de coleções digitais) de Donald Trump.
Reprodução
Os ganhos financeiros e a captação de doações
Com a entrada no mercado de NFTs, o ex-presidente dos EUA expandiu seu portfólio cripto. A última divulgação financeira do bilionário — que tem uma fortuna pessoal estimada em US$ 4,7 bilhões pela revista Forbes — mostra que ele ganhou US$ 7,2 milhões em um acordo de licenciamento de NFTs.
Ainda segundo o documento, Trump acumulou entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões em criptomoeda Ethereum.
A atuação no mercado cripto se refletiu também em recursos para a corrida eleitoral. Em maio, o republicano se tornou o primeiro candidato à Casa Branca a aceitar doações em ativos digitais.
“[A medida] reflete o comprometimento do presidente Trump com uma agenda que valoriza a liberdade em vez do controle governamental socialista”, informou, na ocasião, a campanha do ex-presidente.
Segundo o jornal norte-americano “The Wall Street Journal”, Trump recebeu, até junho deste ano, cerca de US$ 3 milhões em doações via criptomoedas — uma fração dos US$ 331 milhões arrecadados no período.
Entre seus doadores, estão nomes como o bilionário Elon Musk, homem mais rico do mundo e entusiasta dos ativos digitais.
Mas a estratégia de Trump de se aproximar e arrecadar com a indústria tecnológica não para por aí: passa também pela escolha do senador James David Vance, ligado ao Vale do Silício, como seu candidato a vice-presidente.
Para analistas, a indicação de Vance aumenta a capacidade de arrecadação para a campanha e reforça os laços do republicano com o principal polo tecnológico mundial.
Representações de Ethereum e Bitcoin.
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Os impactos eleitorais
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que a nova postura de Trump acontece de olho nas eleições, que ocorrerão em 5 de novembro. O movimento acompanha o avanço da relevância dos criptoativos — que, nos últimos anos, passaram a integrar o portfólio financeiro de parcela significativa da população.
“A mudança de Trump tem cunho eleitoral. Cerca de 20% dos americanos usam bitcoin ou alguma outra moeda. Então, ele acaba ganhando uma parcela do eleitorado que utiliza esses recursos”, afirma Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da Eurasia Group.
O especialista destaca que pesquisas recentes de opinião pública mostram que quase 26% do eleitorado de estados-chave para as eleições, como Michigan, Pensilvânia, Nevada e Arizona, levam em conta as posições dos candidatos sobre criptomoedas.
“Trump teve esse faro. Ele conseguiu observar o cenário e, então, incorporou na campanha”, aponta Garman.
Na conferência “Bitcoin 2024”, no fim de julho, o candidato republicano prometeu criar um conselho consultivo de criptoativos e transformar os EUA na “capital das criptomoedas no mundo”. Também disse que irá manter um “estoque estratégico de bitcoins”.
Em geral, investidores acreditam que, com Trump na presidência, o país terá uma regulamentação mais frouxa de criptomoedas — o que beneficiaria a cotação do ativo, que atualmente não é regulado pelo Estado.
“Diferentemente de alguns anos atrás, as discussões sobre como regular cripto está superquente em diversos países, inclusive nos Estados Unidos”, afirma Carolina Moehlecke, professora de Relações Internacionais da FGV.
Moehlecke destaca que Gary Gensler, atual chefe da SEC (a Comissão de Valores Mobiliários do país, responsável por regular o sistema financeiro), já manifestou sua intenção de regulamentar o mercado cripto, assim como qualquer outro ativo.
“Quem investe nesse mercado não gosta da ideia de regulamentação. Um dos principais motivos para essas pessoas usarem cripto é justamente não ter um ativo regulado”, diz Moehlecke.
“Então, isso é um prato cheio para Trump. Em uma eleição superdisputada, em que os candidatos precisam escolher temas que vão trazer voto, isso reforça a campanha dele.”
Uma pesquisa recente feita pela plataforma AMBCrypto mostra que 80% dos investidores em criptomoedas acreditam que a cotação do Bitcoin irá atingir US$ 80 mil caso o republicano ganhe as eleições deste ano. Atualmente, a moeda digital vale em torno de US$ 60 mil.
Os republicanos dominaram a pauta cripto?
Carolina Moehlecke, da FGV, destaca que os democratas ainda não têm uma posição definida sobre criptomoedas — o que deu espaço para que os republicanos explorassem a pauta.
“Ninguém no Partido Democrata está adotando essa plataforma. Então, isso permite que Trump abrace o tema e diga ‘eu sou o presidente cripto’, como ele tem feito. Ele está sabendo fazer muito bem essa disputa pela agenda política”, diz.
Moehlecke também ressalta que o candidato republicano conseguiu conectar o assunto a outras bandeiras de campanha, como a guerra econômica contra a China — uma das principais pautas de Trump desde o seu governo.
“Quando Trump diz que quer os EUA liderando a economia cripto, ele pega um tema caro para um grupo de eleitores, insere em uma plataforma mais ampla dele (de competição com a China) e dá uma nova roupagem ao tema. Então, existe estratégia nesse processo.”
Christopher Garman, da Eurasia Group, acredita que, nesse contexto, é momento de os democratas “correrem atrás do prejuízo” e ao menos reforçarem a ideia de que não são contra as criptomoedas.
O especialista pondera, no entanto, que outros temas podem ter um papel mais decisivo para o resultado eleitoral de novembro, que tem Kamala Harris na disputa pelo Partido Democrata.
“Uma parcela dos americanos considera a pauta cripto importante, mas as principais preocupações continuam sendo com temas como inflação, imigração, proteção à democracia, aborto e segurança”, conclui Garman.
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