A ‘Superquarta’ finalmente trouxe as respostas que o mercado financeiro esperava. Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, à esquerda; e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, à direita.
Sarah Silbiger/Reuters e Pedro França/Agência Senado
A ‘Superquarta’ — dia em que coincidem as reuniões que definem as taxas de juros dos Estados Unidos e do Brasil — finalmente trouxe as respostas que o mercado financeiro esperava.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) não só deu início ao ciclo de redução dos juros americanos, como surpreendeu com a magnitude do corte. A redução foi de 0,50 ponto percentual (p.p.), levando as taxas para uma faixa entre 4,75% e 5% ao ano. No início da semana, o mercado esperava uma redução de 0,25 p.p.
“Essa recalibração da nossa postura política ajudará a manter a força da economia e do mercado de trabalho e continuará a permitir mais progresso na inflação à medida que iniciamos o processo de mudança em direção a uma postura mais neutra”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell.
Foram meses de expectativa por esse momento, pois juros menores nos EUA melhoram a atividade da economia e dão ânimo para que os investidores do mundo todo procurem mais rentabilidade em novos destinos, destravando tanto investimentos diretos como nas bolsas de valores.
No Brasil, o caminho escolhido foi outro, e a taxa básica de juros voltou a subir. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa Selic em 0,25 p.p., para 10,75% ao ano.
O BC justifica a decisão com os resultados da atividade econômica e do mercado de trabalho, que têm apresentado “dinamismo maior do que o esperado”, deixando mais difícil a manutenção do crescimento sem pressão nos preços.
“A inflação medida pelo IPCA cheio, assim como medidas de inflação subjacente, se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”, disse o BC em comunicado desta quarta-feira (18).
Ainda segundo o BC, o ritmo de ajustes futuros e a magnitude do ciclo de altas serão ditados pelo compromisso de convergência da inflação à meta de 3%. Hoje, elas estão em 4,3% para 2024 e 3,7% para 2025 nos modelos da instituição.
Segundo o boletim Focus, que reúne projeções do mercado financeiro, a expectativa é ainda pior, de 4,35% para 2024 e 3,95% para 2025. Para a Selic, os analistas esperam que a taxa continue subindo até atingir 11,50% ao ano em janeiro — com um crescimento de 1 ponto percentual ao todo.
Apesar de o país estar colhendo bons resultados de crescimento econômico, o mercado segue invocado com a falta de soluções para as contas públicas. E enquanto o governo tenta convencer que será capaz de cumprir a missão de controlar os gastos, os investidores deixam o país de fora das primeiras apostas.
A redução nas taxas americanas deve mexer com o fluxo de dinheiro no mundo todo. E isso pode, inclusive, beneficiar um fluxo maior de capital para países emergentes, melhorando o mercado de ações e também a cotação do dólar.
Mas, sem a confiança dos investidores de que o ambiente econômico brasileiro é promissor e sem dólares entrando, o câmbio segue desvalorizado e gerando pressão na inflação brasileira.
O BC, então, se apresenta como uma espécie de “guardião dos preços”, e aumenta os juros para frear um pouco a atividade e tentar atrair dólares para o país por meio da diferença maior entre os juros locais e o de economias desenvolvidas.
Veja abaixo o que disseram os BCs dos EUA e do Brasil, e como analistas veem os próximos passos.
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O que aconteceu nesta Superquarta?
▶️ ESTADOS UNIDOS
O Federal Reserve decidiu cortar os juros dos EUA em 0,50 p.p., para a faixa de 4,75% a 5% ao ano. Essa foi a primeira redução na taxa desde março de 2020.
A medida já era esperada pelo mercado, após sinalizações recentes de corte pelo presidente do Fed, Jerome Powell. A novidade é o tamanho da redução, que até então não tinha consenso entre especialistas.
Dos 12 integrantes do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), 11 votaram a favor do corte de 0,50 p.p., incluindo Powell. O único voto divergente foi pela redução de 0,25 ponto.
Em comunicado, o Fomc afirmou que a medida veio “à luz do progresso na inflação e do equilíbrio de riscos”. Disse também que “continuará monitorando as implicações das informações recebidas para a perspectiva econômica”.
Para Powell, a redução da taxa deverá colaborar com a força da economia norte-americana sem deixar de lado o progresso inflacionário.
Ele afirmou ainda que não há um caminho predefinido para a política monetária norte-americana, já que o país acaba de iniciar o processo de mudança para uma postura mais neutra — em que os juros não estimulam nem retraem a economia. “Continuaremos a tomar nossas decisões reunião por reunião.”
“Reduzir a contenção política muito rapidamente pode prejudicar o progresso na inflação. (…) Ao mesmo tempo, reduzir a contenção muito lentamente pode enfraquecer indevidamente a atividade econômica e o emprego”, ponderou.
O Federal Reserve realizou o primeiro corte de juros desde 2020. Entre o fim do ano passado e o começo deste, mais da metade do mercado esperava pelo menos um primeiro corte ainda no primeiro semestre. Mas as projeções foram sucessivamente adiadas.
De olho nos dados econômicos que não lhe davam conforto para reduzir as taxas, o Fed foi postergando o ajuste. A instituição olha, principalmente, para a inflação americana, para uma possível pressão dos salários por um mercado de trabalho aquecido e para os números da atividade econômica.
Com juros mais altos, o crédito para consumo das famílias e para os investimentos das empresas ficam mais caros. Por isso, esse período longo que o Fed manteve as taxas mais elevadas ajudou a desaquecer o mercado de trabalho e, depois, a inflação.
Nos últimos meses, a geração de vagas de trabalho diminuiu e a taxa de desemprego subiu para 4,2% em agosto. Um ano atrás, a taxa era de 3,8%. Já a inflação de agosto caiu para 2,5% no acumulado em 12 meses. Esse é o menor patamar desde fevereiro de 2021, e está mais perto da meta de 2% do Fed.
A exceção é a atividade econômica, que continua forte. O Produto Interno Bruto dos EUA foi de 3% no segundo trimestre. Mas há uma preocupação extra do Fed, de promover um “pouso suave” da economia — ou seja, reduzir a inflação sem prejudicar muito a atividade e os empregos. Um erro de calibração na hora de ajustar os juros pode gerar uma recessão.
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▶️ BRASIL
Por aqui, o Copom aumentou a taxa Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano. É o primeiro aumento de juros desde agosto de 2022 e o primeiro deste mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Copom justificou que vem percebendo, no cenário interno, risco para alta da inflação. Pelo sistema de metas, que serve de referência para a atuação do BC, o Copom deve nivelar a taxa de juros para atingir as metas fixadas para os próximos anos, e não tendo por base a inflação passada.
Para o mercado financeiro, houve uma piora da dinâmica da inflação nos últimos meses.
Entre os principais pontos, estão:
A forte desvalorização do real em relação ao dólar;
O crescimento (bem acima do esperado) da atividade econômica;
O desemprego nos menores patamares em 10 anos;
A dificuldade de que o governo cumpra o arcabouço fiscal e dê jeito nas contas públicas.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, acumula 4,24% em 12 meses.
Mesmo que ainda esteja dentro do que se considera uma meta de inflação cumprida, em que o teto é de 4,5%, o BC é obrigado também a olhar as projeções para meses (e anos) à frente, em que o IPCA está gradualmente se distanciando dessa mesma meta.
Nesta semana, a economista sênior da LCA Consultores Thaís Zara disse ao g1 que a instituição começou a olhar a situação com mais de cautela conforme economistas do mercado financeiro passaram a reavaliar os riscos da economia brasileira citados acima.
“As expectativas estão desancoradas, e isso tende a influenciar a própria inflação. As pessoas acabam reajustando preços porque percebem que a inflação futura pode ser mais alta”, explicou Zara.
Inflação “desancorada” é o jargão do mercado financeiro para definir esse momento em que as projeções dos economistas começam a escapar do que o BC precisa cumprir pela meta de inflação.
Quando isso se junta com uma desconfiança persistente com os rumos do governo — seja pela necessidade de demonstrar mais preocupação com as contas, seja pelo teste da autonomia do BC com a sucessão de Roberto Campos Neto — um dado fora das expectativas pode mudar todo o rumo da análise.
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Como as decisões foram recebidas pelos analistas?
Em geral, as decisões do Fed e do Copom eram esperadas pelo mercado financeiro. Como mostrou o g1 nesta segunda-feira, todos contavam que os EUA iniciassem um ciclo de queda dos juros, enquanto o Brasil passasse a subir as taxas.
Se houve algum tom de novidade, foi o corte mais amplo por parte do banco central americano. Juros mais baixos nos EUA reduzem a rentabilidade das Treasuries (títulos públicos norte-americanos), considerados os ativos mais seguros do mundo.
Conforme investidores deixam a segurança em busca de melhores rendimentos, o dólar se enfraquece no mundo todo e há benefícios para o mercado de ações e de outras aplicações de risco.
“Temos, sim, uma inflação desancorada, mas daria para esperar para ver o efeito de um dólar mais baixo para o Brasil. O Copom não precisaria dessa alta agora, em especial quando o Fed cortou mais do que o esperado”, afirma Helena Veronese, economista-chefe B.Side Investimentos.
A especialista diz ainda que a decisão do BC é uma busca de credibilidade para o momento de transição de presidência, que passará de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo em 2025.
O diretor de política monetária foi indicado para o cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu nome ainda depende de aprovação do Senado Federal. Mas o clima em Brasília não é de rejeição ao economista.
“Uma forma de conseguir essa credibilidade é sinalizar que você pode subir juros mesmo quando o governo não quer, ou quando a equipe econômica não quer. Essa decisão me parece mais uma forma de conquistar confiança do que, de fato, por motivos técnicos”, diz Veronese.
O economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, também acredita que o movimento desta quarta deve contribuir com o processo de reafirmação da credibilidade do BC.
Mas afirma que o tom do comunicado — que reconheceu preocupações que já estavam presentes entre analistas e agentes econômicos na análise do BC — é o mais determinante para essa confiança, junto com a unanimidade da decisão.
“Mesmo sem o chamado forward guidance [sinalização para as próximas decisões], o Copom não quis deixar dúvidas de que farão o que for necessário para trazer a inflação para a meta”, diz.
Ainda sobre o comunicado do Copom, o economista André Perfeito diz que o tom foi relativamente duro, mas que a magnitude do ajuste dependerá da dinâmica dos dados futuros, dos rumos dos juros nos EUA e seus efeitos no câmbio.
“Neste sentido, projetamos mais um corte de 0,25 ponto na próxima reunião, mas lembrando que a autoridade monetária irá observar com atenção a evolução tanto da expectativa de inflação como os dados correntes”, afirma.
Já Leonardo Costa, economista do ASA, entende que a decisão do Copom não tem relação alguma com a do Fed. Para ele, os cenários dos países é muito diferente, já que os EUA estão em momento de desaceleração da economia, enquanto o Brasil passa por uma fase de atividade pujante.
“Os EUA já mostram desaceleração da inflação, em especial dos núcleos [que excluem itens mais voláteis]. O Brasil tem um ritmo ainda bastante aquecido, com inflação de núcleos em patamar bastante elevado.”
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