Ministério da Fazenda terá 15 dias para adequar propostas às regras fiscais; especialistas alertam que redução de impostos pode onerar outros segmentos. Medidas para baratear carro popular voltam a trazer preocupações sobre o quadro fiscal, dizem analistas
Fábio Tito/g1
As medidas anunciadas nesta quinta-feira (25) para baratear o carro popular pelo governo foram bem recebidas pelo setor automotivo – mas, segundo análise de especialistas, voltaram a trazer preocupações sobre eventuais impactos no quadro fiscal brasileiro.
Entre as principais propostas do governo, estão:
Corte de impostos para reduzir o preço final de carro até R$ 120 mil em até 10,79%;
Adoção da taxa referencial (TR) como taxa de juros para projetos de pesquisa e inovação;
R$ 4 bilhões em financiamentos em dólar por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES), voltados para empresas que trabalham com exportação.
Por um lado, dizem especialistas, as medidas são importantes para aquecer um setor que tem caminhado em um ritmo bem abaixo da capacidade e das projeções para o ano.
Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), por exemplo, apontam que pelo menos 13 paralisações de fábricas aconteceram neste ano – o que, em muito, reflete os impactos dos níveis elevados de juros e da redução da demanda.
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Por outro lado, no entanto, a leitura é que ainda falta uma maior clareza sobre como isso impactaria o quadro fiscal brasileiro.
Há dúvidas, por exemplo, sobre de onde virão os recursos para que o governo consiga compensar a perda de arrecadação com o corte de impostos, e o que ainda seria possível diante da aprovação da reforma tributária.
Além disso, especialistas indicam que mesmo diante da redução no preço final dos carros e da eventual criação de garantias ou de uma linha de crédito específica para o varejo – possibilidade que havia sido ventilada, mas que ainda não foi anunciada pelo governo –, os impactos para o consumidor final ainda seriam bastante limitados.
Governo anuncia corte de impostos com objetivo de reduzir preço de carros populares
Entenda abaixo o que diz o setor e qual a leitura do mercado.
O que diz o setor?
Após uma reunião no Palácio do Planalto com representantes do governo, o presidente da Anfavea, Márcio Lima Leite, afirmou que o pacote de medidas anunciadas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin na tarde desta quinta-feira torna “muito possível” que carros novos voltem a custar abaixo de R$ 60 mil nas concessionárias.
De acordo com Leite, apesar de cada montadora ter sua própria política de preços, os números que vêm sendo apresentados são positivos e podem baixar o valor desses veículos.
“Hoje, com as reduções tributárias que estão em discussão e o esforço conjunto de todo setor, é bem possível que tenhamos [queda nos preços]. Mas isso é uma questão que cada montadora, que cada fabricante, tem a sua política”, afirmou.
Para além da redução de impostos, no entanto, o segmento ainda defende melhores taxas de juros. Nesse caso, em seu discurso, Alckmin chegou a afirmar que acredita que com a melhora do regime fiscal e com a aprovação do novo arcabouço, a tendência é que haja um maior espaço para o Banco Central iniciar o ciclo de corte da taxa básica de juros.
Segundo o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Paulo Noman, os bancos de montadoras se tornaram uma “indústria de financiamentos que não está mais financiando”.
“A maioria dos carros agora está sendo vendido à vista e não só pelo preço do carro, mas também pelo peso dos juros nas parcelas para o consumidor. A indústria não consegue subsidiar juros para seus clientes para sempre”, diz Noman.
Ainda assim, os executivos do setor destacam que as medidas já podem trazer uma melhora no volume de vendas do segmento, diminuindo o custo para as montadoras e, consequentemente, melhorando o preço dos carros.
“Uma redução de juros é algo muito desejável para o futuro […], mas qualquer medida que vá diminuir custos e melhorar as condições de acesso do consumidor ao segmento já são positivas”, afirma o diretor de relações governamentais e regulamentação da Toyota do Brasil, Roberto Braun.
O diretor da Toyota reforça, ainda, que a companhia avalia a possibilidade e tem interesse em oferecer um veículo com preços mais populares. Atualmente, o carro de entrada da empresa é o Yaris, que custa em torno de R$ 97 mil.
De olho no fiscal
Apesar da leitura positiva das propostas do governo, especialistas ainda destacam a necessidade de mais clareza sobre os aspectos fiscais da proposta.
Segundo anunciado por Alckmin, o Ministério da Fazenda terá um prazo de 15 dias para adequar a decisão às regras fiscais – ou seja, calcular a perda de arrecadação e dizer qual será a compensação no orçamento. Passado esse prazo, segundo Alckmin, o governo editará uma medida provisória e um decreto para regulamentar o tema.
Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, no entanto, a expectativa é que o governo tenha dificuldades em contornar essa questão sem que ela respingue em outros setores.
“A atual situação fiscal não permite que o governo abra mão de recursos, então a solução tende a ser fazer um rearranjo tributário. Nesse caso, a tendência é que essa redução de impostos do setor automotivo acabe onerando outros segmentos e produtos, talvez cigarros e bebidas, por exemplo. O governo não tem de onde tirar, então a solução é remanejar”, afirma.
Os especialistas dizem, ainda, que o “perfil gastador” do governo também pode acabar tendo um efeito contrário nas taxas de juros – uma vez que parte do que o BC precisa para reduzir as taxas também parte por uma maior certeza fiscal.
“Se o mercado não sente credibilidade nesse governo, se os sinais apontam que não haverá uma mudança de status do lado das contas públicas, o juro não vai cair”, diz o professor de ciências econômicas da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rubens Moura.
Já do lado da demanda, a percepção é que novas medidas precisarão ser tomadas para que o objetivo de aquecer o setor seja, de fato, alcançado.
“Não é só cair o preço que a demanda vai reacender porque o grande problema é que essa demanda não existe hoje. Temos um nível de endividamento das famílias elevadíssimo e, mesmo que haja uma redução da Selic no segundo semestre, na ponta o impacto é bem menor”, explica Agostini.
“É um setor importante, mas essas medidas são provisórias por conta do atual momento da economia. Não estamos em equilíbrio fiscal e não estamos em aceleração, então acredito que a eficiência dessas propostas deve ser bem limitada”, acrescenta o economista.
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