Crise nas contas públicas é o grande destaque, mas há complicações esperadas pela desaceleração da atividade econômica e possibilidade de alta de impostos. Bolsonaro e Lula se enfrentam no 2º turno da eleição presidencial, no dia 30
Evaristo Sá/AFP
Os principais desafios não terminam no próximo domingo (3) para quem for eleito para ocupar a Presidência da República a partir de 2023. O cenário econômico apresenta uma série de complicadores que podem atrapalhar a recuperação após a crise que vem desde os primeiros impactos da pandemia do coronavírus.
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Economistas ouvidos pelo g1 apontam as contas públicas como o fator de potencial explosivo para o dono da cadeira do Palácio do Planalto pelos próximos quatro anos, seja o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A situação passa também por uma desaceleração da economia, no Brasil e no mundo. Com arrecadação menor, especialistas esperam que o próximo governo seja obrigado a subir impostos para compensar o aumento de gastos permanentes aprovados em 2022.
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Mesmo em uma eleição quente, a disputa de projetos ainda é etérea no campo econômico. Líder no primeiro turno, Lula indicou que reajustará o salário mínimo, retomará investimentos públicos, fará uma reforma tributária e aplicará uma nova âncora fiscal que não seja o teto de gastos.
Mas permanecem muitos detalhes em aberto, em especial sobre o manejo de recursos públicos para realizar suas promessas. Também segue o mistério sobre quem seriam seus ministros da área econômica, o que deixa investidores em compasso de espera.
Do lado oposto, o ministro Paulo Guedes, candidato a permanecer no cargo em um novo governo Bolsonaro, reitera sempre que “a economia está bombando”, faz comparações positivas com os demais países e diz que pretende avançar em reformas estruturantes.
Guedes costuma ressaltar que o desemprego e a inflação no país estão em queda, enquanto a arrecadação sobe. Economistas alertam, contudo, que os efeitos são temporários e que os resultados devem inverter o sinal caso os problemas internos não sejam equacionados.
O g1 separou abaixo, em tópicos, os principais nós na economia que quem ocupar a cadeira precisará desatar.
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Gastos públicos
É unanimidade entre os economistas ouvidos pela reportagem que a situação das contas públicas é a preocupação principal para o ano que vem. O “xis” da questão é o fato de que o Orçamento não contempla o aumento de gastos aprovados em 2022, e os candidatos não dão clareza do que farão para encontrar as receitas necessárias.
O Auxílio Brasil é exemplo. O benefício foi fixado com repasse de R$ 400 mensais aos beneficiários. O aumento para R$ 600 foi feito por meio de uma Emenda Constitucional, com validade apenas até dezembro.
Tanto Lula como Bolsonaro prometem manter o valor em R$ 600 em 2023. Mas o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional contempla recurso apenas para pagar um Auxílio Brasil de R$ 405. (saiba mais no vídeo abaixo)
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Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), seria necessário redirecionar mais R$ 51,8 bilhões para o programa. Isso apertaria as despesas discricionárias do governo (aquelas que não são obrigatórias) de R$ 115,7 bilhões para apenas R$ 63,9 bilhões no ano que vem.
Em agosto, uma reportagem do g1 apontou as inconsistências no Orçamento enviado para 2023. Além da questão do Auxílio Brasil, há uma série de pontos que tornam a peça irrealista.
Entre elas, o governo federal enviou proposta de um salário mínimo de R$ 1.302 para 2023, novamente sem ganho acima da inflação. Em outro ponto, foram separados apenas R$ 11,6 bilhões para reajustes do funcionalismo. A quantia permitiria um aumento médio de 5%, muito abaixo do que as categorias pleiteiam.
Ao todo, o governo prevê déficit de R$ 63,7 bilhões no ano que vem. Analistas estimam que o rombo será de pelo menos o dobro.
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Sem uma peça orçamentária confiável, o mercado financeiro desconfia da capacidade do país de cumprir suas obrigações sem uma explosão de endividamento. A reação costuma ser de saída de dinheiro do país, desvalorização do real e pressão na inflação.
“O mais importante é definir qual vai ser a nova regra fiscal, porque, dadas as promessas, dificilmente o teto de gastos seria compatível”, afirma Daniel Couri, diretor-executivo da IFI.
Segundo o economista, o próximo presidente terá também a missão de sinalizar como a expansão dos gastos pode ser absorvida no médio prazo e como recuperar o poder de manejo sobre o Orçamento, transferido em grande parte ao poder Legislativo pelas emendas parlamentares.
Couri cita especificamente a questão do “orçamento secreto”, que tirou a transparência dos gastos e o potencial de investimentos públicos do país ao diminuir o manejo da parcela não obrigatória das contas. (entenda aqui o que é o orçamento secreto)
“É uma situação que acaba criando um ambiente favorável ao desperdício ou até mesmo aos casos de corrupção. Sem contar a pulverização do poder decisório sobre o Orçamento e a falta de priorização do gasto público”, afirma Couri.
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Frustração de receitas
O economista Fabio Kanczuk, ex-diretor do Banco Central e chefe de macroeconomia da Asa Investments, acrescenta que a boa arrecadação dos cofres do governo em 2022 não deve se repetir no próximo ano, por conta da redução da atividade econômica.
“A economia ainda está crescendo, e as receitas tributárias continuam boas porque têm uma defasagem que mascara o aumento de gastos. Quando botarem as contas na ponta do lápis, vão ter um susto. E a saída deve ser um aumento relevante de impostos”, diz Kanczuk.
Segundo a Secretaria da Receita Federal, a arrecadação federal somou R$ 1,64 trilhão nos nove primeiros meses do ano, o que representa alta real de 9,5% na comparação com o mesmo período do ano passado (R$ 1,49 trilhão).
Os números da Receita Federal mostram que essa também foi a maior arrecadação, para o período de janeiro a setembro de um ano, desde o início da série histórica, em 1995.
Mas o órgão afirma que os resultados deste ano mostram um recolhimento atípico de R$ 37 bilhões, com efeito de arrecadação sobre a reabertura da economia, o comércio de commodities e o efeito da inflação, que potencializa o percentual de imposto no preço dos produtos.
O economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, lembra também que a arrecadação dos últimos meses se beneficiou dos dividendos de estatais acima da média, que costumam ter bons resultados em ciclos econômicos de valorização de commodities. A Petrobras, por exemplo, teve lucros recordes com o aumento do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
A alta da taxa básica de juros do país, a Selic, também aumenta a arrecadação. De janeiro a setembro, o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre Rendimentos de Capital teve arrecadação de R$ 62,6 bilhões, com alta real de 62,8%.
Mas analistas alertam que as projeções para 2023 mostram piora do cenário, já que boa parte do efeito de reabertura da economia passou e os juros mais altos começaram a frear a atividade, o que gera menos dinheiro de impostos à frente.
Rocha diz que, no final deste ano e início do próximo, a perspectiva é de que haja um casamento de arrecadação caindo e despesas subindo, sem espaço para grandes mudanças no gasto obrigatório.
“É um ajuste na boca do caixa, que, quando se olha para a frente, não deve se sustentar. O jeito é acomodar as demandas de uma forma que a dívida não deteriore muito”, diz o economista.
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O que fazer com a crise fiscal?
Os presidenciáveis têm mencionado apenas aperitivos de soluções tributárias durante as campanhas.
Uma das possibilidades é que a reforma tributária, que tramitava em dois projetos no Congresso, retorne à pauta com alíquota que aumente a carga total — em especial para o setor de serviços. Tradicionalmente, considera-se que o segmento paga pouco imposto quando comparado, por exemplo, à indústria.
Outro caminho é um rearranjo no imposto de renda das empresas. Especialistas que defendem o plano pedem o fim da isenção total à tributação de lucros e dividendos, junto com uma redução do IRPJ.
Mas até algumas desonerações podem ser revistas, como o teto de ICMS para combustíveis. A redução de tributos sobre combustíveis e sobre produtos industriais gerou R$ 26,1 bilhões a menos nas receitas deste ano.
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Com a arrecadação forte, a desoneração ainda está “no azul”, mas, caso os preços do petróleo no mercado internacional não criem uma pressão parecida com a deste ano, a redução pode ser mexida para trazer o dinheiro de volta aos cofres.
Rocha, da JGP, acredita que, quem quer que seja o próximo presidente, precisará emendar o Orçamento aprovado pelo Congresso para pedir uma ‘licença’ para descumprir regras, para assim financiar benefícios sociais e criar um plano para melhorar as condições dali em diante.
“O jeito é tomar mais dívida, não me parece ter como escapar. Mas tudo tem que ser comunicado da maneira correta. O mercado internacional está punindo muito as histórias de desvio fiscal. A crise no Reino Unido é um exemplo”, afirma Rocha.
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Atividade econômica e inflação
Com a Covid perdendo os holofotes da análise de especialistas, os alertas se voltaram para a inflação crescente nos países mais ricos. A situação exige um aumento de juros lá fora para ajudar a controlar os preços – e provoca a redução do crescimento econômico.
A guerra da Ucrânia renova o choque inflacionário porque reduz a oferta de energia e commodities no mercado. Para a Europa, por exemplo, a falta de gás natural é um dos principais motivos do aumento no custo de vida da população.
Por aqui, uma desaceleração de economias parceiras prejudica, mas é a política monetária que deve dar as caras com mais força. Também em busca de combater a inflação, o Brasil passou por um dos aumentos mais rápidos dos juros de sua história, partindo dos 2% ao ano de taxa Selic para os atuais 13,75% ao ano.
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E o ‘breque’ esperado no crescimento da economia brasileira parece ter começado. O Índice de Atividade Econômica (IBC-BR) do Banco Central, conhecido como a “prévia” do PIB, registrou retração de 1,13% em agosto, na comparação com julho.
O Monitor do PIB, indicador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), vai na mesma direção: aponta retração de 0,8% em agosto.
“Os estímulos dados na economia batem mais forte na atividade de serviços, que sustentaram o PIB no primeiro semestre. O resultado mostra um esgotamento do ritmo”, diz Juliana Trece, economista do Ibre/FGV.
Por estímulos, Trece elenca a liberação de saques do FGTS e o adiantamento do 13º do INSS como exemplos de incentivos ao consumo. Entra na conta também o aumento de R$ 400 para R$ 600 do Auxílio Brasil.
“Avaliar um mês isolado é pouco, mas a conjuntura externa e a perspectiva de juros elevados mostram que a desaceleração começou”, afirma.
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Já Fabio Kanczuk, da Asa Investments, diz que, não fossem os estímulos do primeiro, renovados por novas políticas de injeção dadas pelo governo federal no segundo semestre, seria possível ver o efeito do aumento de juros mais cedo.
Foi na virada de semestre que entraram em cena, por exemplo, os ‘vouchers’ para caminhoneiros e taxistas, e os efeitos do teto do ICMS para combustíveis – que redirecionou os gastos da população com gasolina para outros produtos e serviços.
“Depois desse efeito inicial sobre inflação — quando os estímulos pararem de ser importantes — só veremos o efeito negativo da política monetária. Com a atividade desacelerando de verdade, teremos uma economia já com cara de recessão no quarto trimestre”, diz Kanczuk.
Para Fernando Rocha, da JGP, o alento é que o investidor estrangeiro pode ver o momento como oportunidade. Como o Brasil tem um diferencial de juro bem elevado — ou seja, remunera bem para investimentos relativamente seguros —, o país ainda será um polo mais estável entre os emergentes.
“O gringo gosta do Brasil e o mercado conhece os dois candidatos”, afirma.
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