Banco Mundial manifestou preocupação diante do baixo crescimento e da alta inflação na economia global. Preços de alimentos exibidos em supermercado no Rio de Janeiro.
REUTERS/Ricardo Moraes
O Banco Mundial fez, em setembro, um novo alerta sobre a estagflação. Segundo o economista-chefe da instituição, Indermit Gill, há uma preocupação real diante do baixo crescimento e da alta inflação na economia global.
“Há seis meses estávamos muito preocupados com uma recuperação lenta e preços muito altos de commodities. E agora acho que estamos muito mais preocupados com uma estagflação generalizada”, disse, durante coletiva de imprensa em Washington, em 15 de setembro.
Gill também afirmou que o cenário “traz de volta lembranças muito ruins de meados da década de 1970 e das décadas perdidas”.
Mas o que é ”estagflação’? Qual sua relação com a década de 1970 e quais os impactos no seu cotidiano?
O que significa ‘estagflação’?
De forma prática, o termo é a junção das palavras “estagnação” e “inflação”. Traduz, portanto, um contexto em que a economia de um país está parada, com alto desemprego e menor produção, ao mesmo tempo em que os preços de produtos e serviços estão mais altos – ou subindo.
“É uma tempestade perfeita. Um ambiente horrível em que você tem, ao mesmo tempo, inflação alta e uma economia estagnada”, resume o professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fábio Gallo.
Origem do termo
O termo estagflação foi usado pela primeira vez em meados de 1960. Mas foi na década seguinte que se popularizou no mundo econômico. Era, ainda assim, um conceito totalmente novo – a inflação tinha, até então, uma relação positiva com os dados de emprego e atividade econômica.
A lógica era a seguinte: quanto mais gente trabalhando, maior o consumo e o dinheiro em circulação. Consequentemente, maior produção nas empresas. Isso faria a roda girar e, quanto maior a demanda, maiores os preços.
Trata-se da relação entre inflação e emprego, abordada na chamada Curva de Phillips, teoria do economista neozelandês William Phillips. Segundo a tese, se a inflação está alta, é porque as taxas de emprego também estão altas e a economia caminha bem.
Mas foi principalmente na década de 1970, citada pelo economista-chefe do Banco Mundial, que essa teoria passou a ser fortemente questionada.
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“Em 1973, ocorre primeiro choque do petróleo, que faz o preço dos combustíveis dispararem. Isso obriga as economias desenvolvidas a adotarem taxas de juros muito mais altas para frear essa inflação”, explica o economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, André Galhardo.
“Você tem, então, uma inflação alta, causada pelo aumento do preço dos combustíveis, o que acaba contaminando outras áreas. O aumento das taxas de juros, no entanto, não resolve o problema do petróleo, que mantém os preços lá em cima”, continua Galhardo.
O economista destaca outro efeito negativo dentro desse ciclo: os juros altos jogam o nível de atividade econômica para baixo – quanto maior a taxa, mais caro o crédito e menor o incentivo à economia. Havia, portanto, um quadro de inflação alta e atividade econômica baixa.
Isso foi ficando pior ao longo da década de 1970, especialmente com o segundo choque do petróleo, em 1979.
É possível ‘medir’ a estagflação?
Não há um cálculo específico para o termo. Mas dois principais indicadores são utilizados para analisar o cenário: o Produto Interno Bruto (PIB), que mensura a atividade econômica do país, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerada a inflação oficial, no caso do Brasil.
“Normalmente, começamos a falar em estagflação quando a economia emite sinais claros e inequívocos de que está desacelerando. Você observa o PIB brasileiro, por exemplo. Se ele começa a cair e você tem um processo de inflação crônico – subindo de forma crônica, ou parado, mas num nível muito alto – caracteriza-se, então, a estagflação”, diz Galhardo.
O Brasil enfrenta um cenário de estagflação?
Para o professor Fábio Gallo, tecnicamente, não. Ele explica que a inflação foi sentida, principalmente, a partir de 2015, ao mesmo tempo em que o país acumulou resultados negativos no PIB. Agora, apesar das quedas recentes no indicador, o saldo deve ser positivo neste ano.
“Estamos crescendo consideravelmente, e em um ambiente que permite o combate à inflação. Vamos para o terceiro mês com queda de preços. Então, não estamos num ambiente de estagflação”, afirma.
Riscos para 2023
Gallo aponta, no entanto, receios em relação ao ano que vem, ao citar um alerta da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento. Segundo projeção da organização divulgada no início deste mês, a economia brasileira deve desacelerar já em 2022, e o PIB do país deve ter crescimento de “apenas 0,6% em 2023”.
André Galhardo segue a mesma linha. Segundo o economista, não seria correto dizer que, neste momento, o Brasil passa por uma estagflação.
“A economia brasileira não está em um quadro de estagflação justamente porque o PIB tem se comportado positivamente – respondendo a estímulos pontuais do governo, sobretudo em 2022. E a inflação, apesar de elevada, está, neste momento, com tendência de queda”, analisa.
Galhardo também alerta para um possível processo de estagflação em 2023, reflexo do alto patamar da Selic, a taxa básica de juros do Brasil, hoje em 13,75% ao ano.
“Podemos ter um ritmo menor de atividade econômica. E não está totalmente descartada a possibilidade de um retorno da inflação por conta da piora da guerra na Ucrânia e novos desajustes na cadeia produtiva, como a estiagem na Europa”, diz. “Aí, sim, teríamos um quadro de estagflação.”
Quais os impactos no seu cotidiano?
Baixa atividade econômica, queda na produção e inflação lá em cima. Além do desaquecimento no mercado de trabalho, causado pela estagnação econômica, os impactos da alta nos preços são sentidos diretamente no bolso do trabalhador.
“Particularmente, afeta a cesta básica. A população mais frágil sente muito mais fortemente o aumento de preços”, afirma o professor Fábio Gallo.
“Portanto, nós sentimos [a estagflação] de forma absoluta. E mais: quando se está em um ambiente de estagflação, além de você estar em um ambiente inflacionário, você corre o risco de perder o emprego e não ter chance de arrumar outro porque está em um momento de recessão”, continua.
Estagflação no mundo
Os Estados Unidos e grande parte da União Europeia estão, hoje, em um quadro de estagflação, segundo o economista André Galhardo. “A maioria dos países que integram a zona do euro tem um PIB ainda positivo, mas cada vez menor”, diz.
Levantamento realizado pela Análise Econômica Consultoria mostra a relação entre o PIB e a inflação nos países do G7, clube dos países mais ricos do mundo.
No gráfico acima, é possível observar: quanto mais distante a linha do PIB em relação à inflação, mais amplo o cenário de estagflação. As maiores diferenças são vistas nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido. A menor, no Japão.
Galhardo cita os EUA como caso mais simbólico. O PIB do país registrou duas quedas seguidas este ano – de 1,6% no primeiro trimestre e de 0,6% no segundo –, configurando, segundo ele, uma recessão técnica.
“Mesmo que venham números positivos até o fim do ano, a expectativa é de que a economia continue em rota de deterioração, porque a taxa de juros tende a subir. E este é o principal elemento que tende a desacelerar a economia norte-americana”, diz. Enquanto isso, a inflação do país segue alta, acima dos 8%.
Na Europa, vários países enfrentam situação parecida. A inflação da Alemanha, por exemplo, é a mais alta da série histórica desde que o país passou a integrar a zona do euro.
Galhardo considera a situação dos alemães ainda mais crítica, com tendência de alta na inflação por conta da crise energética que atinge a União Europeia – reflexos, principalmente, da guerra na Ucrânia.
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